Quem tem meio século, como eu, e até um pouco menos, se lembra de um dos mais famosos cinemas de Ilhéus, o Cine Brasil, com suas mais de quinhentas cadeiras pretas de madeira, com aquela atmosfera sombria e pouca iluminação com um cardápio cinematográfico que se resumia a filmes de Kung Fu e pornochanchadas. Vez ou outra, no Cine Brasil, um morcego passava perto dos ouvidos e a gente se abaixava achando que seria mordido por eles. Era, ao mesmo tempo, engraçado e assustador. A entrada e a saída eram onde é hoje aquela loja de bolos e salgados, ao lado da igreja Universal.
Eu era apaixonado pelos filmes de artes marciais, sobretudo as histórias de dois grandes lutadores chineses, Bruce Lee e Shaolin, e, tentava, na sessão noturna, com meus amigos, ver as pornochanchadas nacionais, filmes "genuinamente brasileiros que fizeram muito sucesso na década de 1970”, influenciado pelas comédias italianas, marcadas por seu feeling erótico, com seus títulos de duplo sentido, como “Nos tempos da Vaselina”. Os enredos eram sempre sobre virgindade, conquista amorosa e adultério. Eu disse que tentava porque nós não tínhamos idade para assistir, mas vivíamos pensando num jeito de enganar o Comissário de Menores que fazia plantão nas sessões deste tipo de filme.
Até que um dia conseguimos fazer amizade com o porteiro e ele facilitou nossa entrada, mas o bendito representante do juizado descobriu. Nos escondemos na última fileira da plateia e fomos rastejando pelo chão enquanto ele se aproximava. Ele vinha por um lado, a gente se arrastava para o outro. A escuridão do cinema facilitou nossa escapada. Naquele dia quase não conseguimos assistir “Aluga-se Moças”, com Gretchen e Rita Cadilac, porque a cada quinze minutos ele aparecia na sala e a gente tinha que se esconder.
Mas não escapamos do sermão do Comissário de Menores quando saímos da sessão. Ele estava na portaria, sério e, ao mesmo tempo, furioso, por não ter nos encontrado, esperando a gente. Passamos por ele, cabisbaixos, fingindo que aquela “pagação paterna” não era com a gente.
Entretanto, bacana mesmo eram os filmes de Kung Fu que despertavam em mim, e na maioria dos meus amigos, o desejo de aprender aquela luta milenar. A 36ª. Câmara de Shaolin, de 1978, era um desses filmes e “A Fúria do Dragão”, de Bruce Lee, um outro clássico da categoria que até hoje surpreende pela magia e habilidade do mestre das artes marciais. Sempre que saíamos das sessões dominicais daqueles filmes, havia um cara que se vestia de quimono preto, colocava uma faixa vermelha na cabeça e se exibia na porta do cinema, chamando a galera para a briga. A gente passava de largo. Se o camarada sabia ou não lutar Kung Fu, ninguém se atrevia a enfrentá-lo, principalmente quando ele fazia aqueles gritos imitando Bruce Lee e dava dois ou três saltos no ar. Ele tinha um apelido que não lembro agora. Foi em “A Fúria do Dragão” que se usou pela primeira vez o Nunchaku, arma que Bruce Lee dominava como nenhum outro.
Lembro entristecido dia em que o cinema pegou fogo. Foi em 1987. O incêndio selou para sempre o fim do Cine Brasil. Hoje, no seu lugar está a Igreja Universal. O templo da sétima arte, por ironia ou santificação, se transformou no templo de oração.