Escrever é um negócio interessante. Sobretudo quando você começa a criar uma atmosfera em que você se ver envolvido em toda aquela trama. Inevitavelmente, partes de você viram características dos personagens. Desejos ocultos, gostos, preconceitos, visão de mundo, jeito de falar, ser, andar, alguma coisa acaba escapando e aquele personagem vai criando vida. “Eu acho que o escritor verdadeiro é aquele que escreve sobre o que ele viveu”. Jorge Amado foi feliz quando afirmou isso. Nossas experiências são imprescindíveis para trazer à tona personagens marcantes. Jorge foi um cara que transitou pelo Cais da Bahia, pelo Pelourinho, pelas lutas políticas. Foi exilado, perseguido. Viveu experiências amorosas inesquecíveis e conheceu gente no mundo todo. Só podia escrever bem, falar do que o baiano sentia, vivia e sofria. Falar dos meninos de rua, dos marinheiros, das prostitutas, das mal-amadas, dos apaixonados, da religião, da luta pela terra, da burguesia e do trabalhador do campo.
Eu terminei esta semana meu terceiro romance. É uma história divertida, diferente, exótica, que se passa num povoado no ano de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial. Tem um Comprador de Almas, uma mulher da maior jaca do mundo, um padre biriteiro, um prefeito beijador, uma contadora de histórias teatral, uma mulher que resolve voltar depois que morre, um coronel que virou ferreiro e se casou com três mulheres, um poeta cantador cheio de tiques nervosos, um subdelegado que gosta de falar bonito mas não entende o que diz e por aí vai. “Qualquer parecença, é mero acaso” como diz uma das principais personagens da trama, a beata Maria do Rosário. Mas ainda não é a hora de falar desta história. Ainda pretendo escrever muitos podcasts sobre ela. Nesta trama, tem de tudo, ou quase tudo. É uma história que eu gostaria de ler. Tenho certeza que Jorge Amado iria gostar de ler e Gabriel Garcia Márquez daria boas gargalhadas. Ou você pensa que eu tenho que pensar pequeno?
A escrita é mesmo uma coisa fascinante, que te leva aos lugares mais distantes e aos pensamentos mais bizarros. Ali, na solidão do meu notebook eu choro, rio, me espanto, grito em silêncio e até me martirizo quando tenho que dar fim a uma criação emocionante como a cena do fim de um grande amor ou a despedida de uma cachorrinha da sua dona.
Experimente escrever. Depois me diga se a criação literária não é uma experiência fascinante. “Uma aventura é a vida, diz Bioy Casares, a outra são os livros”. Ser escritor não significa escolher a solidão, “ela é resultado de nossa reclusão ao texto”, mas o bom escritor, como diz o professor José Carlos Laitano, “sabe que necessita conviver com outros mortais, sabe que é participando no mundo real que colhe a matéria-prima para a sua fantasia”. Se fosse simplesmente solidão, a fala de Jorge Amado não teria nenhum sentido.