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Pawlo Cidade

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ESCRITORES QUE FIZERAM DIREITO

Fui convidado para estar num ambiente dos que fizeram Direito. Direito como profissão e não como o simples fato de afirmar que todos vocês fizeram direito. Com o perdão do trocadilho, mas quem faz Direito, mesmo sendo direito, não significa que um dia será direito. E mesmo porque o direito, às vezes dá errado — ou é equivocado, oposto e tantos outros antônimos que é melhor eu parar por aqui, senão posso ser processado por falar direito, mas comunicar errado.

E eu sei que todos vocês entenderam. Afinal, fazer direito é uma prerrogativa para disputar, no final das contas, um lugar ao sol. Advogados, professores, engenheiros, arquitetos, escritores existem aos montes por aí e se você não faz direito, fica fora do mercado. 

Mas na história — e é disso que trata este texto — muitos escritores como eu, fizeram Direito. Minto. Eu não fiz Direito. Quem fez Direito foi meu pai. Eu fiz magistério, depois pedagogia. Demorei mais tempo para sair da universidade do que o normal. É que meus professores não conseguiam fazer direito, ou eu não fiz direito, e isso me inquietou bastante. Se eu fizesse direito — a pedagogia — teria saído mais rápido da universidade. Enrolei como pude, até que um dia me disseram que eu seria jubilado se eu não terminasse aquele tratado. 

Como disse, muitos escritores tiveram o Direito como sua profissão. Pelo menos por um tempo, porque no fundo eles queriam mesmo era escrever e o Direito foi apenas um meio para garantir o desejo primeiro que era o de escrever. 

Nosso escritor-mor, Jorge Amado, se formou em Direito, no Rio de Janeiro. E graças ao Direito ele ajudou a libertar muitos presos políticos durante a ditadura militar. Inclusive intermediou a volta de Glauber Rocha para o Brasil quando o cineasta esteve exilado. 

Rui Barbosa, um dos maiores juristas de todos os tempos, cuja frase: “A advocacia não é profissão para covardes”, lhe é atribuída; Gregório de Matos, o boca do inferno; Monteiro Lobato, criador de personagens inesquecíveis; Gonçalves Dias, poeta incomparável, autor de um dos mais belos poemas da literatura brasileira: “Canção do Exílio”; Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Oswald de Andrade, José Lins do Rego, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, José de Alencar, Castro Alves: “Bendito o que semeia / Livros à mão cheia / E manda o povo pensar! / O livro, caindo n'alma / É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar!”. Todos eles, advogados!

Cyro de Mattos, Raul Pompéia e o grande Luiz Gama, um dos maiores abolicionistas do Brasil, também fizeram Direito e exerceram a profissão. Luiz Gama, por sinal, fez direito mesmo! O cara foi um autodidata, feito escravo aos dez anos, analfabeto até os dezessete anos, conquistou sozinho judicialmente a própria liberdade e teve uma vida tão direita que é difícil encontrar alguém que não se apaixone por ele quando lê sua história de vida.

Myrthes Gomes de Campos, escritora, a primeira mulher no país a exercer a profissão de advogada, foi pioneira dos direitos femininos. Numa época em que se dizia que a advocacia não era ofício para as mulheres e que de acordo com o Direito Romano uma profissão “viril”, destinada somente aos homens, a escritora carioca Myrthes Gomes de Campos lutou pelo voto feminino e muitos outros direitos para as mulheres. Ela não se intimidou e conquistou, com louvor, seu lugar na Casa de Montezuma, assim chamado o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros.

Quer conquistar também seu lugar ao sol? Então faça direito. E você não precisa ser advogado, promotor, juiz, desembargador para fazer direito. Pois quem faz Direito, quer queira, quer não, precisa ser direito. Seja no modus faciendi, seja no modus vivendi. Afinal, ubi non est justitia, ibi non potest esse jus. Onde não existe justiça, não pode haver direito. Enfim, como dizia Pereira e Sousa: “O estudo do direito seria inútil, se a justiça não pudesse ser reduzida a ato”.

Por fim, nestas últimas estrofes em cordel do advogado Tiago Silva de Freitas, declamo:

E então fez-se a justiça

Nessa terra de mutretas

Onde rei mama nas tetas

Mas ao pobre, a sarjeta

Para quem quisesse ouvir

Em alto som repetia

Maria em alegria

Passado, Presente, Porvir...

Que o mote desse cordel

Oxalá alcance o céu

Todo santo, santo dia

“Que seria desse mundo

Sem a advocacia”.

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 13/02/2025 14h22

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