A gente não dá valor a beleza de um aratu correndo na raiz de uma árvore no mangue. Acha comum porque vê todo dia. A gente deixa passar o vai-e-vem das marés, dos caranguejos correndo na areia. Quem disse que a gente liga para as garças no Malhado, esperando chegar os peixes que sobra do calão puxado cedinho pelos pescadores? A gente nem se dá conta das pessoas empilhadas nos coletivos caindo aos pedaços que pegamos todos os dias para ir trabalhar. A gente quer é chegar cedo no trabalho e na escola. De preferência, antes da loja abrir, da fábrica apitar a sirene, dos alunos chegarem à escola.
A beleza da baía do Pontal é só uma paisagem que vai passando no trânsito que leva mais tempo do que o de costume, todas as manhãs. O nascimento lento da ponte do outro lado da baía, os botos e as tartarugas que passam embaixo da velha ponte, o velho “Badaca” ajeitando os caiaques e os barcos a vela. Um restaurante no morro que nasceu meio à revelia de uma paisagem tão linda.
Nem sequer damos conta que possuímos a maior reserva urbana de Mata Atlântica com mata primária, com 454 hectares! Uma Lagoa Encantada, um Rio que ajudou a brotar um engenho. Um engenho que se rebelou na história. E a gente só sabe que é um dos destinos mais desejados do mundo quando viajamos e as pessoas que você conhece lhe diz: “Você é de Ilhéus? Meu Deus, que lugar lindo. Meu sonho é conhecer Ilhéus um dia”. E da “piqueira” temos uma vista, da Piedade temos outra, do outeiro nem se fala. E, se alguém ainda não foi no Alto do Amparo ou no Alto Soledade para contemplar a cidade e o mar de cima, não sabe o que está perdendo.
Esta é minha terra, o meu lar. A cidade cantada em prosa e verso, em música e história, em romance e poesia, na dança, no teatro, no circo e no cinema. As ruas que Jorge contou com cheiro de cravo, canela e agora cho-co-la-te. Mas também é a terra de Fábio, de João, de Paulo, de Getúlio, de Maria, Abelardo, Edmilson, Janete, Miguel, Vandilson, Cigana, Pizute, Luiz! É a terra da Capoeira, do gingado, da luta, do dia-a-dia. E Luciano puxa um acorde, eterniza Olivença. E a gente deixa passar Tip Top, Tremendão, Zero Susto, Birro, Fátima: “Vem cá, você está bonito hoje. Me arranja dois reais para inteirar aqui uma passagem”.
Um pedinte, que quase não se aguenta em pé e, muito menos tece palavras para pedir, apenas estende a mão do lado da janela do passageiro. Adolescentes vendem balas no semáforo para ajudar uma comunidade cristã. Poetas entram no ônibus e tentam ganhar seu tostão diário. A vida comum, as pessoas comuns, os problemas comuns das cidades que arvoram o desenvolvimento. E a gente continua esquecendo dos rios Cachoeira, Almada e Santana que se encontram na baía do Pontal.
Enfim, viralizamos o pôr-do-sol na Sapetinga. Por pouco tempo, é verdade. Assim como a passarela do álcool, as festas nos postos de gasolina, a pracinha do Centro, a praça dos namorados. Quiçá, estes points sejam estruturados para nossos visitantes também se apaixonem. Enquanto isso, me dirijo à Ponta da Tulha, enquanto vejo a Terra Prometida ser invadida e a construção de um novo aeroporto ficar só no desejo.