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O Tabuleiro

Pawlo Cidade

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MINHA VIZINHA É TRAFICANTE

Certo dia, limpando o meu quintal, ouvi o som de uma máquina de contar dinheiro. Dessas que ficam atrás dos caixas de banco para contar mais rápido alguma soma alta quando um correntista resolve fazer uma retirada programada. Quem teria em casa uma máquina de contar dinheiro? E além do mais, quem guardaria tanto dinheiro em casa? Só me veio uma coisa na cabeça. Minha vizinha devia ser traficante. O traficante guarda grandes somas de dinheiro em casa. Já vi nestes filmes de bandidos, usuários de drogas e policiais. Como não tem conta bancária eles guardam dentro de cofres, descargas de banheiro, tanques, no forro, dentro de paredes.

            A máquina funcionava todos os dias pela manhã. Às vezes, à tarde. Devia ser o momento em que ela podia contar o que arrecadou na noite anterior. Afinal, o usuário só compra na calada da noite, pra ninguém descobrir. Confesso que gelei ao imaginar que do lado da minha casa havia uma movimentação, mesmo que incipiente, do tráfico. E se o dia em que a polícia descobrir quiser me levar como testemunha? O que eu vou dizer? Que ouvia todos os dias a máquina funcionando?

            Outro dia fui chegando em casa. Minha vizinha, a traficante, uma senhora à beira dos sessenta, sorriu e me cumprimentou. Eu pensei, “quer fazer amizade, quer me envolver no negócio dela”. Virei o rosto, mas respondi quase se engasgando: “Bom dia!”. Apressei os passos, tranquei o portão, antes que ela resolvesse puxar conversa. Ouvi barulho de um carro. Coloquei o ouvido no portão para ver se o motorista do veículo iria na casa dela. “O pacote ficou pronto, Socorro?”, perguntou a mulher. “Ficou sim”, respondeu minha vizinha. “Que maravilha! Hoje mesmo vou distribuir na comunidade”. Pacote, distribuir, comunidade. Não tive mais dúvidas. Minha vizinha era uma traficante da pesada, “distribuía de pacote”. Até a polícia federal invadir a casa dela era uma questão de horas.

            A máquina voltou a funcionar. Estaria ela contando o dinheiro que acabara de receber pelo pacote? Fiquei curioso. Corri para o quintal, subi no muro, tentando ver se conseguia flagrar toda a movimentação. A máquina continuava a todo vapor. “Trarrr, trarrr, trarr...” como o movimento que a gente faz na língua puxando a letra “R”. Me debrucei ainda mais sobre o muro, acabei desequilibrando e caí no quintal da vizinha. Pronto! Me ferrei! Ela vai pegar uma arma. Todo traficante tem uma arma. Vou morrer!

            A máquina parou de funcionar. Ouvi passos na cozinha. Minha vizinha apareceu na porta do quintal. Quando me viu estatelado no chão correu para me acudir. Me levou para dentro de casa. Na sala, diversos pedaços de tecido cobriam as poltronas. Linhas de várias cores estavam sobrepostas numa mesinha menor; um kit de agulhas e elásticos estavam pendurados ao lado de uma estante e a máquina de costurar Overloque, ideal para profissionais que trabalham com cortes e acabamentos de roupas, estava em destaque, no canto da parede.

            Respirei fundo, bebi a água que ela me ofereceu e enquanto eu descansava da queda e do susto, ela voltou a trabalhar na máquina que fazia o som igualzinho a uma daquelas máquinas de contar dinheiro.

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 15/07/2020 08h15

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