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O Tabuleiro

Pawlo Cidade

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TEATRO, OLHOS E MÁSCARAS

No Teatro-Arte, não no Teatro-Edifício, onde se dá o momento mágico de interação entre o público e os atores, tem um negócio chamado “laboratório” que não tem nada a ver com experiências físico-químicas, tubos de ensaio, béquer, balão de fundo redondo, balão de fundo chato, bureta, balança de precisão e coisas do tipo, mas com vivências psicodramáticas que eu costumo conceituar o Laboratório Teatral como sendo um espaço de desconstrução de atores e, ao mesmo tempo, criação de personagens.

Antes de qualquer exercício cênico, do processo de Preparação do Ator, da Construção da Personagem ou da Criação de um Papel, que por coincidência dão título a três obras de um dos maiores encenadores russos, Constantin Stanislavsky, a gente começa por uma caminhada. Caminhamos pelo palco em todas as direções, ocupamos todas as áreas, exploramos ritmos, sons e toques, sempre caminhando, sem interrupção, continuamente até a exaustão. Este é um momento de relaxamento em que o corpo se prepara para falar por si mesmo. Em um dos desdobramentos destas caminhadas o diretor nos convida a olhar nos olhos do outro. À medida que andamos vamos cruzando com olhares em suas mais diversas expressões: tristes, alegres, nervosos, misteriosos, chatos, rústicos, amorosos. Esquecemos todas as outras partes do rosto, focamos apenas nos olhos. Nosso principal ponto de concentração. Esquecemos até como estamos caminhando e deixemos que as pernas assumam o controle de nossos movimentos. São os olhos, as janelas da alma que precisam se comunicar conosco. E a comunicação se dá, sem preconceitos, sem estereótipos ou qualquer tentativa de manipulação.

E não é que, dia desses, fazendo compras no supermercado, cruzo pelas pessoas e me comunico apenas com os olhos? As sobrancelhas ajudam na construção e receptividade. Quando elas se erguem e os olhos vão junto, identificamos rapidamente com um “oi”.  Se eles ficam paralisados e acompanham seu movimento eis que traduzo como uma dúvida: “Eu te conheço, mas não lembro de onde.” Se os olhos se curvam para cima, com a ajuda dos pezinhos de galinha e das sobrancelhas salientes vejo rapidamente que há um enorme sorriso de saudação: “Como vai?”. E assim acabamos revelando um pouco do que está por trás dos nossos olhos. Bendita seja a máscara que nos permitiu olhar mais de perto aquele que nos rodeia. É tão fácil identificar a máscara mal colocada, aquele que está sem máscara, a máscara mais feia, a mais bonita. Difícil é decifrar o que o outro está pensando sem olhar nos teus olhos.  

“O teatro contemporâneo ocidental reencontra o uso da máscara. Esta redescoberta acompanha a reteatralização do teatro e a promoção da expressão corporal”, diz Patrice Pavis. “Escondendo-se o rosto, renuncia-se voluntariamente à expressão psicológica, a qual em geral fornece a maior massa de informações, muitas vezes bastante precisas, ao espectador”. Mas aqui Pavis fala de uma máscara que esconde completamente o rosto. Diferente da máscara que Michael Jackson usava para onde ia e nós o chamávamos de maluco.    

Hoje, andando pelas ruas, caminhando em supermercados e farmácias, enfrentando filas de padarias as pessoas exibem, alguns a contragosto é verdade, as suas máscaras e inevitavelmente seus olhos. Não é a cor que importa quando eles se cruzam, mas quando se entreolham tentando se comunicar. “Os olhos são como uma luz para o corpo: quando os olhos de vocês são bons, todo o seu corpo fica cheio de luz. Porém, se os seus olhos forem maus, o seu corpo ficará cheio de escuridão”(Lucas 11:34).

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 20/05/2020 08h27

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