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RILTON FILHO

RILTON FILHO

UMA MULHER NEGRA GRÁVIDA PASSANDO: PASSANDO NUMA ZONA DE MORTE PROGRAMADA

Nesta terça-feira, 8, a jovem negra grávida Kathlen Romeu, de 24 anos, foi morta durante uma ação da Polícia Militar na comunidade do Lins, zona norte do Rio de Janeiro. Segundo moradores, ela foi vítima de uma bala perdida.
Esta coluna não está dedicada a falar de operações policiais, crime organizado ou tráfico de drogas, antes, gostaria de falar de um espaço: A PERIFERIA.

Não custa lembrar, mas é preciso dizer que as periferias, que são muitas no Brasil, não são espaços que apareceram repentinamente e misteriosamente. Aliás, também deve-se dizer que as periferias não são espaços criados e predestinados por divindades a pessoas especificas, neste caso, pobres e pretos. Pelo contrário, as periferias são espaços construídos historicamente, ou seja, pessoas construíram as periferias. Mas construção, aqui, não se refere à aquele que construiu a rua de periferia X ou Y, não! Construção, aqui, se refere a processos políticos da nossa história, especialmente o período da colonização. Trago aqui duas realidades desse período:

‘Votavam nas eleições, quem eram geralmente indiretas, homens bons, ou seja, proprietários residentes na cidade, excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros, mulatos e cristãos novos’

‘Cativos trabalhavam nos campos, nos engenhos, nas minas, na casa-grande. Realizavam nas cidades tarefas penosas, no transporte de cargas, de pessoas, de dejetos malcheirosos ou na indústria da construção. Foram também artesãos, quitandeiros, vendedores de rua, meninos de recado etc.

Percebe-se que a cor da pele negra, a condição moral, a localização fora da cidade e as profissões “indignas” eram alguns dos critérios utilizados para votar, por exemplo. Também observamos que essas mesmas pessoas eram destinadas, por outras pessoas (os brancos), para os seus trabalhos, moradias e condição social, ou seja, elas eram programadas para não serem aceitas. Nós chamamos de colonização, de racismo, de injustiça, mas também podemos chamar de: herança presente. Deixe-me explicar: dado que as periferias não foram construídas magicamente, devemos perguntar? Quem construiu? Uma das respostas nós acabamos de contemplar, isto é, o processo de colonização que sofremos, produziu uma construção de país onde negros ocupavam espaços diferentes de brancos, pobres de ricos etc. No entanto, não se trata de espaços diferentes do ponto de vista americano, ou seja, nos EUA brancos e negros usavam banheiros diferentes no século 19. Não! Sem minimizar esse fato, nosso caso se trata de um espaço destinado, uma economia destinada e uma condição destinada. Sim! Estou falando das periferias, cuja história é fruto dessa realidade colonial onde negros e negras não podiam adquirir terras, levando-os as margens das cidades. Mais do que isso, levando-os a viverem em espaços abandonados, mal assistidos, mal alimentados, mal educados e inseguros. Kathlen era uma mulher negra localizada nesse espaço fraturado que fora destinado ao seu bisavô, avô, pai, dela mesma e do seu bebê, totalmente diferente de espaços estruturados e programados para terem boa educação, entretenimento, diversão, trabalhos e segurança.

Portanto, e aqui finalizo, como afirmou o nosso grande Milton Santos “o espaço é acumulação desigual de tempos”, afirmamos que a morte de Kathlen foi programada, por homens brancos, desde os seus primórdios. Nos resta esperar por mudanças significativas nesses espaços, de modo que eles não possam ser mais um ambiente programado para matar o próximo negro ou negra que passa despercebido na calçada.

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 11/06/2021 08h15

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